O Direito de não emigrar em 10 teses
Extraído de:
Bartra, Armando (2014). El derecho de quedarse. En Aragonés, Ana María. Crisis económica y migración. ¿Impactos temporales o estructurales?. CDMX (México): UNAN. https://www.aacademica.org/armando.bartra/41 - https://n2t.net/ark:/13683/pCd2/60G
Tradução e destaques de Ricardo de Sampaio Dagnino
Páginas 68-71:
1. A migração da periferia para o centro, do sul para o norte, das áreas rurais para as cidades não é um ajuste virtuoso nos mercados de trabalho, mas sim uma expulsão social resultante da degradação ambiental, econômica, política e moral dos países e regiões de origem.
2. Como expulsão, a migração em massa e forçada é inerentemente indesejável, independentemente de o fluxo ser contínuo ou turbulento. Portanto, embora seja importante defender os direitos dos migrantes, é ainda mais importante defender o direito de não ter que migrar.
3. O direito de partir não é um direito se não existir o direito de ficar. A opção de migrar só é um ato de liberdade se também existir a opção simétrica de ficar, o que implica oportunidades de trabalho decente e boa qualidade de vida nas regiões de origem.
4. Compulsiva, massiva e quase sempre indocumentada, a atual implosão demográfica global, que deixou quase 300 milhões de pessoas fora de seus países de origem, é repreensível pelo sofrimento humano que causa, especialmente quando criminalizada, como acontece hoje, mas também é indesejável por razões estruturais.
5. Quando o fluxo migratório se origina em países com populações jovens, o fato de emigrarem para o exterior significa desperdiçar o “dividendo demográfico”, que consiste no fato de que, por um período, a população em idade ativa representa uma porcentagem muito alta da população total. Isso é uma vantagem se a extraordinária capacidade de trabalho for utilizada para criar ativos produtivos que, posteriormente, permitirão a gestão eficaz das necessidades de sociedades em envelhecimento. Mas se as únicas opções para aqueles que atingem a idade ativa são a migração, o desemprego, a economia informal e o crime, o dividendo demográfico é desperdiçado e, na melhor das hipóteses, transferido para os países de destino, que capitalizam sobre o fluxo de jovens. O retorno representado pelas remessas parece substancial, mas é uma pequena fração do valor agregado criado pelo trabalho árduo daqueles que as enviam: a parte do salário que pode ser poupada, enquanto a maior parte permanece no país de acolhimento sob a forma de salários, lucros e impostos.
6. Quando o fluxo migratório tem origem em áreas rurais, além da transferência do dividendo populacional, cujos efeitos nocivos são de médio prazo, ocorre uma perda ainda mais profunda, com implicações seculares. A migração prolongada ou permanente de jovens gerações de agricultores interrompe as estratégias produtivas de solidariedade intergeracional que possibilitaram a permanência milenar das comunidades agrárias. Dentro da comunidade, era comum que a vantagem demográfica representada pela presença de muitos jovens fosse utilizada para criar patrimônio familiar e comunitário, o que, por sua vez, lhes permitia lidar com sucesso tanto com o envelhecimento familiar quanto com os desafios socioambientais: em outras palavras, em tempos de fartura, os agricultores se preparavam para tempos de escassez. Mas quando a maioria dos jovens se distancia física e espiritualmente da atividade agrícola, muitas vezes frustrante, o vínculo geracional se rompe, e tanto as famílias quanto as comunidades perdem sua perspectiva rural de médio e longo prazo, reduzindo seus planos à duração da vida de uma única geração. Isso explica por que as remessas são utilizadas quase exclusivamente para bens de consumo, sejam eles de curto ou longo prazo. Essa perda civilizacional de conhecimento e valores é preocupante, especialmente agora que se torna evidente que uma das soluções para as dimensões ambiental, alimentar e energética da grande crise reside na restauração da produção camponesa de pequena e média escala. Essa economia doméstica rural está sendo minada pela migração em seus aspectos fundamentais.
7. Uma dimensão fundamental do direito de não emigrar (embora não a única, visto que a qualidade dos serviços nas áreas de origem também importa) é o direito ao trabalho decente. Um direito consagrado na Constituição, mas na prática inexequível, já que o Estado, que provê segurança, saúde, educação e outros serviços, não gera emprego, tornando esse direito semelhante ao direito à alimentação, pois também não produz alimentos. Contudo, a obrigação constitucional do Estado é orientar a economia por meio do planejamento democrático, e é nesse âmbito que os direitos ao trabalho e à alimentação devem ser concretizados na forma de políticas, programas e orçamentos públicos comprometidos com a promoção da produção de alimentos e a geração de empregos.
8. O problema é que a exigibilidade dos direitos constitucionais carece de respaldo prático se não existem as respectivas leis de regulamentação. Neste caso, é necessária uma Lei de Planejamento para Segurança e Soberania do Trabalho com Empregos de Qualidade, semelhante à Lei de Planejamento para Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional, que atualmente se encontra perdida no labirinto do Congresso. É verdade que as leis por si só não resolvem os problemas, mas fornecem a estrutura adequada para exigir que o Poder Legislativo, em sua competência para revisar e, se necessário, emendar a Lei Orçamentária e o Orçamento de Despesas, priorize a geração de alimentos saudáveis e empregos de qualidade.
9. No caso das áreas rurais, é evidente que os gastos públicos atuais não priorizam nem a produção de alimentos saudáveis nem a criação de empregos rurais de qualidade. Assim, mesmo que por omissão, fomentam tanto a dependência alimentar quanto a migração em massa. Os agricultores são tratados como pobres, não como produtores desfavorecidos, recebendo, portanto, gastos sociais rurais, mas não investimentos públicos produtivos, o que é altamente regressivo, pois se concentra em regiões desenvolvidas e entre produtores capitalizados. Portanto, no que diz respeito às áreas rurais, o verdadeiro reconhecimento do direito de não emigrar, por meio da efetivação do direito constitucional ao trabalho rural decente, exige a inversão das prioridades nas políticas públicas, nos programas e nos orçamentos.
10. A defesa do direito de não emigrar e do direito à alimentação exige a recuperação da soberania alimentar e trabalhista, visto que esses direitos só serão efetivos se houver uma decisão estratégica para promover economias camponesas de pequeno e médio porte que produzam alimentos e gerem empregos. Essas economias, quando devidamente alavancadas, podem ser eficientes e competitivas, especialmente se a análise de custo-benefício considerar não apenas o resultado estritamente econômico, mas também as contribuições sociais, ambientais e culturais que acompanhariam a revitalização da comunidade agrária.