Indígenas - ocupação e povoamento inicial

Em diversos textos mais antigos percebe-se a invisibilidade da ocupação indígena.

Por exemplo, o texto de Carmen Thomas "Conquista e povoamento do Rio Grande do Sul" aponta que

"O povoamento e conquista do território sul-rio-grandense foram iniciados quando a sociedade brasileira já contava dois séculos. Somente a partir do final do século XVII os portugueses mostraram interesse pelas terras gaúchas e trataram de explorar suas riquezas.

O povoamento do Rio Grande do Sul pode ser dividido em duas fases distintas:

1 - Povoamento na zona de campo ou ciclo pastoril, que teve na pecuária a principal fonte incentivadora. Nela vemos os colonizadores portugueses, principalmente os paulistas, espalharem-se pela nossa campanha atrás do gado, e ali fundarem as estâncias, embriões de futuros núcleos urbanos. (THOMAS, 1976, p. 17) [...]

2- Povoamento na zona de mata ou ciclo da colonização européia, também chamado povoamento definitivo, que se verificou principalmente devido à imigração européia, não portuguesa, e à ação das frentes pioneiras. Nela vemos a fixação dos primeiros imigrantes de origem alemã nos vales e encostas da serra, seguidos pelos italianos que se radicaram na porção oriental do planalto. (THOMAS, 1976, p. 21)

Mapa: https://professor.ufrgs.br/dagnino/files/thomas_carmen_1976_mapa_continente_viamao_1751.jpg

Segundo a arqueóloga e historiadora Lizete Oliveira (2005): 

Sabe-se muito pouco da história indígena: nem a origem, nem as cifras da população são seguras, muito menos o que realmente aconteceu. Mas progrediu-se; no entanto, hoje está mais claro, pelo menos, a extensão do que não se sabe. (CUNHA, 1992, p.11)

A data mais antiga que atesta a ocupação humana no estado do Rio Grande do Sul é de 12.770 anos a.P, em um sítio arqueológico às margens do Rio Ibicuí, no município de Alegrete. Apesar dessa data indicar que a região do Rio da Prata já estaria povoada entre 10.990 aC e 10.550 a.C [Nota 1: O erro estimado para essa amostra é de 220 anos. A sigla a.P. significa antes do Presente, sendo que o ano de 1950 foi convencionado como marco inicial do presente arqueológico],   a historiografia continua a considerar o início do povoamento do Rio Grande do Sul no século XVI, com a chegada dos europeus na América Meridional ou somente depois da fundação do primeiro núcleo populacional português, a partir de 1737. Essa omissão de dez mil anos na história do Rio Grande do Sul deve-se, em grande parte, ao isolamento conceitual-metodológico entre historiadores, arqueólogos e antropólogos. Se por um lado os arqueólogos utilizam somente o jargão arqueológico, tornando incompreensíveis seus conceitos e metodologias, por outro, os historiadores narram a história do povoamento do Rio Grande do Sul de forma redutora, servindo-se apenas da documentação escrita contida, principalmente, nos arquivos brasileiros.

Consideramos que o Rio Grande do Sul foi povoado em três momentos, por ondas migratórias diferentes: num primeiro momento, há mais de dez mil anos, por caçadores-coletores; posteriormente, por volta do início da Era Cristã, por duas ondas migratórias de povos ceramistas-horticultores e, finalmente, por uma terceira onda iniciada com o Descobrimento da América, cujo movimento populacional persiste até o presente.

Devido à proximidade temporal da última onda migratória, que iniciou há apenas 500 anos, e devido à oferta de informação disponível através de documentos escritos, a narrativa sobre o povoamento do Rio Grande do Sul é bastante parcial, sendo contada somente segundo a visão européia, a principal produtora da documentação escrita.

Para conhecer os povos da segunda onda migratória temos possibilidades de abordagens diferenciadas. As duas línguas dos povoadores - Guarani e Jê -- foram preservadas e através delas podemos ter acesso a várias informações com a utilização de seus próprios sistemas simbólicos. Conhecemos os relatos dos europeus que narraram os primeiros contatos com as culturas indígenas. Mesmo não sendo ainda conclusivos, existe também a possibilidade de estudos genéticos para fornecer dados sobre o estilo de vida ou o movimento dessas populações. A arqueologia possibilita o estudo de suas culturas materiais, o habitat em que viviam e a tecnologia desenvolvida para sobreviver. Esses povos podem ser classificados segundo vários aspectos: caçadores-ceramistas, da Tradição Vieira; povos horticultores-ceramistas, da Tradição Tupiguarani, falantes da língua Guarani; e povos horticultores-ceramistas, da Tradição Taquara, falantes da língua Jê. Finalmente, podemos conhecer os primeiros povoadores do Rio Grande do Sul que chegaram na primeira onda migratória somente através da arqueologia, ou seja, através dos vestígios de suas atividades deixadas no ambiente, pois não conhecemos sua língua, seus costumes ou seus sistemas simbólicos.

A arqueologia pode auxiliar também através do entendimento da relação da cultura material [Nota 2: Devemos lembrar que a presença dos instrumentos, que podem viajar separadamente dos seus fabricantes, não indica, necessariamente, sua fabricação ou utilização por aquela cultura.] com o meio ambiente em que viveram estes primeiros caçadores-coletores. Classificamos esses povos segundo seu ambiente e a tradição cultural a eles atribuída: povos das paisagens abertas e escarpas do Planalto - Tradição Umbu; povos das florestas de Araucária - Tradição Humaitá; e a Cultura Sambaquiana, do Litoral.

Considerando-se que as condições ambientais são fundamentais para o conhecimento arqueológico, principalmente sobre os povos caçadores-coletores e horticultores-ceramistas devido à insuficiência de outros dados, iniciamos a narrativa do processo de povoamento do território do Rio Grande do Sul apresentando um breve panorama das transformações ocorridas no meio ambiente nos últimos dez mil anos. Posteriormente, descreveremos as sucessivas ondas migratórias, de quem herdamos nossa cultura atual: caçadores-coletores, horticultores-ceramistas e afro-indo-europeus.

Mapa etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes (NIMUENDAJÚ, 2017):

Link para a imagem: https://professor.ufrgs.br/dagnino/files/nimuendaju_mapa_recorte_rs.jpg

Referências

Nimuendajú, Curt. Mapa etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2. ed. Brasília, DF : IPHAN, IBGE, 2017. 120 p.  http://portal.iphan.gov.br/indl/pagina/detalhes/1574/

Oliveira, Lizete Dias de. Síntese Histórica do Povoamento do Rio Grande do Sul. In: Silveira, Elaine da & Oliveira, Lizete Dias de (orgs.). Etnoconhecimento e Saúde dos Povos Indígenas do Rio Grande do Sul. Editora da ULBRA, 2005, pp. 12-28.  Disponível no Google Books: https://bit.ly/oliveira_povoamento_rs

THOMAS, Carmen. Conquista e povoamento do Rio Grande do Sul. Boletim Geográfico do Rio Grande do Sul, n. 19, p. 17-27, 1976. https://revistas.planejamento.rs.gov.br/index.php/boletim-geografico-rs/article/view/3323