Entrevista de Ricardo Dagnino concedida à jornalista Fernanda Carpegiani em 14/01/2021 publicada em "Catadores: Essenciais para a economia e o meio ambiente" (Descarte.net, 8/03/2021 - https://www.descarte.net/post/essenciais-para-a-economia-e-o-meio-ambiente) como material extra do filme Descarte, dirigido por Leonardo Brant (2021 - https://www.descarte.net/).
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Trechos:
Brasil pode ter de 400 mil a 1 milhão de catadores
Nos últimos anos, foram realizados diferentes estudos e levantamentos sobre os catadores no Brasil. O IPEA estima que essa população varia de 400 a 600 mil, incluindo profissionais autônomos, formais e organizados, de acordo com análises de 2012 e 2013. Já o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis atualmente diz que são de 800 mil a 1 milhão.
Nenhum dos números está necessariamente errado, como explica o geógrafo Ricardo Dagnino, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Campus Litoral Norte). Especializado em análises demográficas espaciais, ele estuda o perfil dos catadores desde 2002. "O trabalho de coleta de resíduos é muito informal e responde a vários fatores externos, entre eles a sazonalidade", explica Dagnino. "A questão da pandemia, por exemplo, alterou bastante o cenário, inclusive no mercado formal. Por isso os números oscilam bastante."
Em 2017, Dagnino publicou um trabalho sobre as características demográficas e socioeconômicas dos coletores de material reciclável, com base no Censo Demográfico de 2010. Os dados mostraram que os catadores estão presentes em 89% dos municípios brasileiros, a maior parte na região Sudeste (42%) e Nordeste (30%). A idade média dessa população é de 39 anos, sendo 8% idosos, ou seja, com 60 anos ou mais, e 66,1% se autodeclaram pretos e pardos.
Desafios envolvem reconhecimento de gestores públicos
Atualmente, a principal reivindicação dos catadores é que seu trabalho seja reconhecido e valorizado – literalmente. "Qual é o valor que o gerador de resíduos dá para o trabalho dos catadores? É preciso pagar pelo serviço de coleta de materiais recicláveis. Todas as pessoas exploram os catadores quando não pagam por esse serviço", afirma o catador Alex Cardoso, do MNCR. Na prática, isso significa que a prestação desse serviço seja feita sempre por meio de contrato e pagamento.
Para o pesquisador Ricardo Dagnino, é preciso que a sociedade como um todo entenda que o catador é um comerciante. "Quando a gente tem esse olhar econômico, fica mais fácil desmistificar alguns detalhes da atividade. O catador não recicla, e sim presta um serviço de coleta de materiais recicláveis. E muitas vezes ele é explorado nesse processo por atravessadores, como donos de ferro-velho, que compram o produto a um preço baixo e o revendem para a indústria de reciclagem", explica.
Na visão do catador Anderson Nassif, um passo importante é que os gestores públicos reconheçam o trabalho dos catadores como essencial para o município, do ponto de vista ambiental, social e econômico. Existem diversos instrumentos legais que podem melhorar as condições de vida e de trabalho dos catadores, mas sua aplicação esbarra em problemas complexos e profundos. "Um dos obstáculos é a máfia do lixo, em que operam empresas de coleta de lixo, ferros-velhos e empresas de transporte público. Existe toda uma articulação que envolve financiamento de campanha, licitações direcionadas, questões que são conhecidas e sabidas há anos. A pergunta é: por que isso não muda?", questiona Dagnino.