Economia alimentar criativa: alternativas para o desenvolvimento de Porto Alegre

Publicado em: agosto 2, 2020 em Sul21

Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

Paulo Niederle (*)

As eleições municipais estão batendo à porta e os candidatos já começaram a desenhar suas propostas para angariar nossos votos. Pois bem, aqui está uma sugestão para os planos de governo: transformar Porto Alegre em capital da economia alimentar criativa.

Há inúmeros motivos para colocar a alimentação no centro da agenda pública da nossa cidade. Cito apenas três. Primeiro, porque a atual pandemia exacerbou o problema da miséria e da fome, cuja origem está tanto na profunda desigualdade social, quanto na oligopolização da produção e do abastecimento alimentar.

Segundo, porque juntamos a fome com a vontade de comer. Os índices de obesidade cresceram rapidamente nas últimas décadas: 20% dos habitantes da capital são obesos e 55% estão com sobrepeso (e isso antes da quarentena!). Somam-se a isso doenças crônicas como diabetes e hipertensão, cujos índices na capital gaúcha estão acima da média nacional.

Terceiro, porque Porto Alegre absorve uma quantidade considerável dos alimentos produzidos na região metropolitana e adjacências, o que implica em uma contribuição relevante para o desenvolvimento econômico regional.

Apesar da falta de coordenação e de incentivos por parte do governo municipal, nos últimos anos vimos proliferar na cidade um conjunto de experiências alimentares inovadoras. Restaurantes, hamburguerias e cafés com propostas diferenciadas, festivais gastronômicos, feiras agroecológicas, cooperativas de consumidores, coletivos de consumo, produção artesanal, hortas urbanas, novos sistemas de delivery… em toda parte alguém estava usando seus conhecimentos e habilidades para criar inovações alimentares.

Infelizmente, a pandemia mostrou que muitas dessas experiências são frágeis e várias não resistirão à crise. No entanto, se apoiadas pelo setor público e articuladas com outras iniciativas, elas podem, paradoxalmente, se tornar uma das melhores alternativas que temos para superar a crise.

Por quê? Primeiro, porque os serviços de alimentação respondem de maneira rápida à demanda, geram uma enorme quantidade de empregos, e agregam valor à produção local. Segundo, porque criar estratégias alimentares voltadas à alimentação adequada e saudável é um mecanismo direto e eficiente de combate à fome, desnutrição e obesidade. Terceiro, porque existe conhecimento acumulado nas empresas, nas organizações sociais e nos órgãos de pesquisa para promover esse processo – e aqui é importante ressaltar que a cidade também é um pólo científico na área alimentar. Quarto, porque existe uma enorme oferta potencial de alimentos locais, artesanais, orgânicos e ecológicos em Porto Alegre e no seu entorno. Basta lembrar, neste sentido, que os assentamentos rurais da região metropolitana são os maiores produtores de arroz orgânico da América Latina.

Como se produz uma economia alimentar criativa? O primeiro passo é criar um ambiente colaborativo em que os atores e as organizações sociais possam dialogar, construir estratégias comuns e gerar soluções coletivas e integradas. Embora a perspectiva tecnocrática do atual prefeito tenha levado ao esvaziamento dos Conselhos Municipais, estes espaços ainda podem ser importantes para alavancar essa estratégia. No entanto, além de fortalecidos, eles também necessitariam ser ampliados e repensados. Por hora, prevalece uma divisão setorial das agendas que dificulta a integração das múltiplas faces da problemática alimentar (agricultura, saúde, meio ambiente, educação e assistência social).

Mas este seria apenas o primeiro passo. Indispensável, mas insuficiente. É importante ter um plano ou uma política integrada de alimentação, articulando ações públicas de apoio à produção e ao consumo local, de aproximação entre produtores e consumidores, de incentivo à agroecologia, de descentralização dos sistemas de abastecimento, de regulação e controle da concorrência desleal e ilegal.

O que estamos propondo não é uma política setorial periférica, sob responsabilidade de uma secretaria ou departamento sem recursos. Esta é uma proposta de projeto estratégico de governo, que coloca a alimentação no centro de um conjunto de ações que potencializam vários setores econômicos de maneira direta (agricultura, agroindústria) ou indireta (turismo, informação, propaganda, logística, infraestrutura urbana etc.).

Finalmente, uma economia alimentar criativa também deve prezar por cidadania alimentar, democratização do acesso à comida e respeito às diferentes tradições alimentares. Precisamos ser capazes de colocar em torno de uma mesma mesa o dono da churrascaria, o ativista vegano, o agricultor ecologista e a ialorixá quilombola. Assim se produz uma economia criativa e, ao mesmo tempo, democracia alimentar.

(*) Professor e pesquisador da UFRGS – Grupo de Estudos e Pesquisas em Agricultura, Alimentação e Desenvolvimento (www.ufrgs.br/agrifood). E-mail: pauloniederle@gmail.com

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