Projeção de Primers para PCR e Análises de Sequências

Texto de autoria de Bruna Lise Tusset, Lucas de Quadros Saldanha,  Vinícius Schuster da Silva e Vitória Prevedello Montagner, discentes do Curso de Biotecnologia da UFRGS.

A biotecnologia é uma área em rápida evolução que tem o potencial de revolucionar diversos setores, desde a medicina até a agricultura. Dentro desse campo, as moléculas chamadas de primers desempenham um papel vital, sendo ferramentas essenciais para técnicas como PCR (Reação em Cadeia da Polimerase), sequenciamento de DNA e clonagem molecular. Um primer é uma pequena sequência de nucleotídeos (de DNA ou RNA) que serve como ponto de partida para a replicação do DNA pela enzima DNA polimerase, e a precisão e a especificidade dessas moléculas ao DNA alvo é fundamental para o sucesso das técnicas genéticas comentadas. Assim, sabendo que é necessário utilizar primers específicos para cada sequência gênica de interesse a ser amplificada, o processo de desenho dessas moléculas é um importante passo nas técnicas de PCR e de análises de sequências para garantir os melhores resultados. Podendo ser realizado em mais de um site, o desenho de primers possui algumas etapas e diversos parâmetros que devem ser observados no seu desenvolvimento.
Existem vários sites e ferramentas online que podem ser utilizados para o desenho de primers. Alguns bastante populares e confiáveis são:
Primer3: permite a customização de diversos parâmetros para garantir que os primers desenhados sejam ideais para sua aplicação específica.
NCBI Primer-BLAST: combina as capacidades de desenho de primers do Primer3 com a funcionalidade de alinhamento de sequências do BLAST.
Integrated DNA Technologies (IDT) PrimerQuest: ferramenta robusta para o desenho de primers para PCR, qPCR e outras aplicações.
OligoPerfect™ Designer: serviço online para desenho de primers com opções para personalização e otimização.
GENEious: uma suíte de bioinformática que, entre outras funcionalidades, oferece ferramentas de desenho de primers.

Para garantir a confiabilidade de resultados alguns parâmetros devem ser analisados, vamos discutir cada um deles a seguir, bem como sua importância.

A temperatura de melting é a temperatura na qual metade das moléculas de DNA de fita dupla se tornam simples fitas, um TM de aproximadamente 60°C é comumente escolhido porque oferece um bom equilíbrio entre a especificidade e a eficiência da amplificação no PCR. Se a Tm for muito baixa, os primers podem não se ligar especificamente ao alvo desejado, resultando em amplificações não específicas pelo genoma. Se a Tm for muito alta, a ligação dos primers pode ser insuficiente, resultando em uma baixa eficiência de amplificação.
O comprimento dos primers é um fator crítico para a especificidade e eficiência da PCR. Primers muito curtos podem não ser específicos o suficiente e se ligar a várias regiões do DNA, enquanto primers muito longos podem se ligar com menos eficiência e dificultar a amplificação. Primers com 15-20 nucleotídeos de comprimento são geralmente específicos o suficiente para garantir que se liguem apenas ao alvo desejado, enquanto ainda são curtos o suficiente para se ligarem eficientemente durante a PCR e por isso são a escolha ideal.
Ademais, a porcentagem de bases Citosina e Guanina (GC%) deve ser entre 40% e 60%. Um conteúdo GC entre esses valores geralmente tem uma Tm próxima a 60°C para a maioria das reações, que é a temperatura de melting ideal para a maioria das PCRs. Isso porque, as bases G e C formam três ligações de hidrogênio entre si, enquanto as bases adenina (A) e timina (T) formam apenas duas, portanto, regiões ricas em GC são mais estáveis e têm uma temperatura de melting (Tm) mais alta. Sequências com um conteúdo equilibrado de GC são mais propensas a serem únicas no genoma, reduzindo o risco de amplificação não específica, por isso, a importância da sua porcentagem nos primers ser perto dos 50%. Além disso, primers com um conteúdo de GC adequado tendem a ser mais tolerantes a pequenas variações nas condições de PCR, como temperatura de anelamento, concentração de cloreto de magnésio e composição do tampão, resultando em uma reação mais robusta e reprodutível. Atenta-se também que, primers com um conteúdo de GC muito alto, podem formar estruturas secundárias, como hairpins, que podem interferir na hibridização e na extensão pela DNA polimerase.
Outros fatores que podem influenciar no desenho de primers para PCR são os Dímeros de Primer, os quais são produtos indesejados que podem ocorrer durante a amplificação de DNA por meio de um PCR. Esses dímeros são formados, quando os primers hibridizam entre si, através de bases complementares, resultando, em alguns casos, na amplificação do dímero ao invés da sequência alvo ou a não amplificação de nada na reação. Isso pode ocorrer devido a diversos fatores como a complementaridade entre as sequências dos primers, efeitos da concentração de primers e condições de reação, as quais devem ser analisadas antes do experimentos se tornar de fato prático.
Os Dímeros de Primer podem ocorrer de formas diferentes, podendo ser um Self-Dimer ou um Hetero-Dimer. O Self-Dimer, ocorre quando um primer se liga a outras moléculas de primers iguais a si (a exemplo de uma hibridização entre um primer Forwad com outro Forward, usados na reação) devido às regiões complementares dentro de sua própria sequência, formando uma estrutura estável. Já, o Hetero-Dimer ocorre quando o primer se liga a outro primer, formando uma ligação de entre primers distintos (por exemplo, um primer Forward com um Reverse). Dessa forma, a formação de dímeros resulta em consequências para a amplificação de sequências, como a redução na eficiência e interferência na especificidade. Mas como prevenir a formação de dímeros? Pode-se, então, otimizar as condições de PCR (ajustar temperatura de anelamento, concentração de primers e reagentes), usar primers de alta qualidade e, principalmente, fazer um desenho cuidadoso de primers evitando sequências que se complementam. As plataformas de desenho já possuem recursos para avaliação de possíveis dímeros, fique ligado nesses parâmetros.
No contexto de projeção de primers, além dos indesejados dímeros de primer, pode ocorrer a formação de Hairpins, o qual é uma estrutura secundária de RNA ou DNA que pode se formar quando uma cadeia de primer se dobra sobre ela mesma, criando uma estrutura de "grampo" (da qual provém o nome) ou um "loop". Mas porque essa estrutura é problemática para o desenho de primer? Devido à interferência que o hairpin causa na ligação ao alvo, podendo bloquear a extremidade que precisa estar ligada ao DNA, gerando uma eficiência de amplificação reduzida em que o primer não fica mais disponível para se anelar à sequência alvo. Além disso, o hairpin pode impactar na quantidade de produto amplificado, diminuindo-o.
No contexto de dímeros e hairpins, precisa-se falar de Delta G, o qual desempenha um papel fundamental na avaliação da estabilidade e probabilidade dessas ligações entre primers. O ΔG representa a variação de Energia Livre de Gibbs, um valor específico para cada reação em análise, que mede a probabilidade ou não de dímeros ou hairpins se formarem com base na energia necessária para essa formação. Dessa forma, o ΔG fornece uma medida quantitativa da estabilidade da ligação, em que valores muito negativos indicam uma formação mais estável entre as moléculas, e portanto sugerem um possível formação de estruturas secundárias, e os valores mais próximos a zero ou positivos sugerem uma ligação menos estável e menor probabilidade de formação de dímeros ou hairpins (valores maiores ou iguais a -5 já são considerados suficientemente bons). Para a reação como um todo, esse parâmetro também interfere nos resultados: reações com ΔG muito negativos podem ter sua eficiência em amplificação comprometida.
Por fim, após essa leitura, esperamos que tenha havido uma elucidação de que a análise criteriosa dos fatores envolvidos no desenho de primers é indispensável para o sucesso de análises gênicas bem sucedidas. A consideração de elementos e fatores para se evitar hairpins, self-dimers, e hetero-dimers, além da otimização de parâmetros como temperatura de fusão e comprimento dos primers é crucial para garantir a especificidade e eficiência das reações de amplificação. A utilização de ferramentas de bioinformática para identificar e corrigir potenciais problemas de complementaridade interna e entre primers reforça a importância de um planejamento rigoroso nessa etapa e, a partir desse texto, esperamos que a compreensão de tais questões tenha sido ampliada. Boa pesquisa!

Referências Bibliográficas

 Rodríguez A, Rodríguez M, Córdoba JJ, Andrade MJ. Design of primers and probes for quantitative real-time PCR methods. Methods Mol Biol. 2015; 1275:31-56. doi: 10.1007/978-1-4939-2365-6_3. PMID: 25697650.

 Vallone, P. M., & Butler, J. M. (2004). AutoDimer: a screening tool for primer-dimer and hairpin structures.BioTechniques37(2), 226–231. https://doi.org/10.2144/04372ST03

 Jannine Brownie, Susan Shawcross, Jane Theaker, David Whitcombe, Richard Ferrie, Clive Newton, Stephen Little, The elimination of primer-dimer accumulation in PCR, Nucleic Acids Research, Volume 25, Issue 16, 1 August 1997, Pages 3235–3241, https://doi.org/10.1093/nar/25.16.3235

 Thomas Kämpke, Markus Kieninger, Michael Mecklenburg, Efficient primer design algorithms , Bioinformatics, Volume 17, Issue 3, March 2001, Pages 214–225, https://doi.org/10.1093/bioinformatics/17.3.214

 Sven Rahmann, Christine Gräfe, Mean and variance of the Gibbs free energy of oligonucleotides in the nearest neighbor model under varying conditions, Bioinformatics, Volume 20, Issue 17, November 2004, Pages 2928–2933, https://doi.org/10.1093/bioinformatics/bth334