As oposições no Rio Grande do Sul: balanço e perspectivas

Citation:
Grohmann, LGM.  2002.  As oposições no Rio Grande do Sul: balanço e perspectivas. Conjuntura Política FAFICH UFMG, copy at www.tinyurl.com/gu67s66

Conjuntura Política

As oposições no RS: balanço e perspectivas
Luís Gustavo Mello Grohmann*

As eleições de 2002 trazem mudanças significativas na cena política brasileira. O espectro ideológico situado à direita está sem candidato presidencial viável. Há um deslocamento de candidaturas para o centro e para a esquerda. Acrescente-se a realidade dos estados e teremos um quadro complexo no qual qualquer tentativa séria de ganhar as eleições e governar com estabilidade política necessariamente passará pela moderação dos extremos. Parece haver um estado de espírito que não está suportando bem os ranços oligárquicos tradicionais nem os arroubos populistas conducentes ao desequilíbrio financeiro. Será que esta tranqüilidade é tal qual aquela que prenuncia tempestades?

A experiência política no Rio Grande do Sul sugere que a oportunidade de termos um governo de esquerda no Brasil pode ser importante para reconhecermos qual é afinal a força de nossa democracia. Os dilemas enfrentados pelo governo do PT e a Frente Popular no Rio Grande do Sul, governo este minoritário no Legislativo, são derivados de dois embates: administrar o próprio estado e suas políticas, e enfrentar as oposições.

Nesta breve análise sobre a oposição ao governo estadual do Rio Grande do Sul apontamos os principais conflitos entre os atores envolvidos, identificando o desenvolvimento da disputa política. Por fim, caracterizamos o perfil da oposição e os dilemas colocados para sua futura atuação.

Em 1998, no estado do Rio Grande do Sul, a despeito das favas contadas da eleição presidencial de então, a campanha eleitoral foi a ante-sala do quadro de intensa polarização política que perdurou durante todo o mandato do atual governador. Na ocasião, o candidato do PT e da Frente Popular, Olívio Dutra, apoiado pelo PDT no segundo turno, conseguiu superar o governador Antônio Britto (então PMDB), que contou com o apoio do PTB, PPB, PFL e PSDB. A campanha foi acirrada e de intensa conflitividade, sendo que essa dinâmica se estendeu a todo o período de transição, entre as eleições e a posse de Olívio.

Na relação entre o governo do estado e a oposição nenhuma trégua foi feita. Desde que assumiu, Olívio foi submetido a forte pressão tanto por parte dos partidos políticos organizados na Assembléia quanto por setores da sociedade civil (grandes proprietários rurais, funcionários públicos, prefeitos, meios de comunicação etc.).

A agenda política no Rio Grande do Sul foi construída de forma a deixar o governo na defensiva, tanto em se tratando de criar notícias quanto de interagir com a Assembléia Legislativa. Mesmo quando o governo conseguia produzir políticas com visibilidade ou quando tentava apresentar alguma iniciativa de peso na formulação de projetos de lei, ainda assim a oposição conseguia reverter o impacto nos meios de comunicação.

O episódio das negociações com a Ford sobre a instalação da sua fábrica no Rio Grande do Sul motivou o primeiro confronto sério entre governo petista e oposição. Havia aqueles que viam na instalação subsidiada do complexo automotivo um bom negócio. No momento em que a Ford sacramentou sua posição de não instalar a fábrica, esse contingente considerou que o governo era incompetente e que buscava revanche contra as realizações do governo passado. Essa imagem transformou-se em lugar comum no campo oposicionista.

O problema da instalação da Ford trouxe para discussão a questão dos incentivos fiscais, tanto aqueles que eram dirigidos às atividades econômicas dentro do Rio Grande do Sul quanto aqueles que buscavam atrair empresas, incrementando a guerra fiscal entre estados. A posição petista, contrária aos incentivos fiscais, se chocou contra aquela da oposição e de outros setores que defendiam tais mecanismos como meio de atrair investimentos.

Esse primeiro movimento foi seguido por outros de igual contundência. A partir do evento da Ford, ações foram empreendidas visando a controlar o governo no campo da produção de canais de comunicação entre governo e sociedade: (1) proibição de propaganda e matérias sobre as realizações e posicionamentos do governo em órgãos e meios de comunicação estatais; e (2) tentativas de impedir o funcionamento do orçamento participativo estadual. Não foram poucas as vozes que no campo à direita da sociedade civil clamavam pelo impedimento do governador por irresponsabilidade administrativa ( Ford) e política (orçamento participativo).

Além disso, logo no início da 50ª Legislatura, a Assembléia Legislativa fundou o Fórum Democrático, sistema que buscou ser o contraponto do orçamento participativo petista, no qual os deputados se deslocam de região para região recolhendo as propostas das populações para inclusão no orçamento estadual. Aliás, o processo legislativo na assembléia gaúcha foi marcado pelo forte aumento do número de vetos em relação ao governo anterior e derrubada desses vetos na ordem de 80% do seu total. Também houve diminuição substantiva de projetos remetidos pelo Executivo, o que, ao contrário de evidenciar a oposição dos deputados, aponta para uma provável tática do Executivo no sentido de contornar a necessidade de negociar, centrando seus projetos e demandas na peça orçamentária, peça essa legitimada pelo orçamento participativo. Mesmo assim, as dificuldades legislativas do governo foram palpáveis.

Um dos principais setores de oposição foram os grandes pecuaristas proprietários de terras, organizados em torno da FARSUL, os quais, com fortes ligações com o PPB, trataram sempre de denunciar o governo como um incentivador de invasões do MST e como desorganizador do setor agropecuário. Nesse campo o Executivo somou pontos, principalmente no momento do avanço da aftosa sobre os rebanhos, quando o Ministério da Agricultura, desenvolvendo uma política de quebra de braço, resolveu bancar sua política de controle da doença conforme o prescrito pela Organização Internacional de Epiizootias (OIE), colidindo com a posição do Secretário da Agricultura, que requeria a vacinação imediata e o controle de fronteiras. Somente depois que o rebanho foi seriamente ameaçado pelos fortes surtos na Argentina e Uruguai, alastrando-se estes pela zona de fronteira, é que a vacinação teve início, não sem prejuízos para o estado.

Outro setor atacado foi o da segurança pública. A questão da segurança adentrou na cena política riograndense já no começo do governo, quando mudanças no quadro funcional da Brigada Militar (polícia militar) foram realizadas. Teve lugar um ciclo no qual a oposição parlamentar e grupos de integrantes da segurança pública denunciaram a partidarização das estruturas de comando da polícia. Após as principais modificações funcionais terem se completado, instala-se o ciclo seguinte, que afirma a incompetência do Executivo, e principalmente de seu Secretário de Segurança, em conter a criminalidade. A principal alavanca desse novo enfoque foi um determinado meio de comunicação que tornou o tema da segurança a pauta geradora de matérias de impacto. A oposição seguiu seu rastro.

O terceiro e último ciclo teve seu início com a denúncia sobre uma possível conexão governo - jogo do bicho. A idéia principal é de que o governo estaria envolvido na proteção aos bicheiros, tendo em vista que esses repassavam dinheiro para o PT. Os partidos de oposição criaram uma CPI que, vinda do ciclo anterior, propunha-se a avaliar o quadro das políticas de segurança do estado. Rapidamente ela transformou-se em investigação sobre as ligações entre Governo e jogo do bicho. Os resultados são conhecidos: demonstração de tráfico de influência do presidente do Clube de Seguros, ligado ao PT, e denúncias contra o governador e contribuintes do Clube. A CPI extraiu como resultado a necessidade de impedimento do governador. Não foi atendida, resultando em arquivamento de seus pedidos. No entanto, ainda existem muitas pendências que certamente irão municiar a campanha eleitoral.

Um tema permanente é o aumento do funcionalismo. Nesse item a disputa inverteu-se em relação ao passado: os partidos de oposição assumiram posições favoráveis aos aumentos salariais do funcionalismo, tal qual o próprio PT havia feito quando era oposição. No entanto duas diferenças devem ser registradas: 1) as propostas do PT visavam e visam principalmente a diminuir a diferença entre o maior e o menor salário, isto é, índices menores de aumento (ou não aumento) para setores que ganham maiores salários concomitantemente com índices maiores para menores salários; e 2) não-pagamento automático de aumentos cheios (isto é, de acordo com inflação ou pedido orçamentário) aos poderes Legislativo e Judiciário. A atual posição dos demais partidos defende aumentos salariais lineares para todas as categorias de servidores.

O movimento dos professores estaduais, historicamente dirigido por setores à esquerda ou progressistas em geral, realizou greve em 2000 reivindicando aumento salarial, modificações no quadro de carreira e encaminhamento para uma série de questões administrativas. Apesar disso, foi denunciado pela oposição como um movimento ainda atrelado ao PT, dado que a sua crítica não teria sido substantiva.

No período que vai de 1999 até as eleições municipais de 2000, o governo Olívio foi submetido à intensa oposição. Apesar dela, o resultado eleitoral dessas eleições não lhe foi adverso. Em verdade, foi um teste significativo a respeito do potencial da oposição em colher os resultados de sua cruzada anti-PT.

O ano de 2000 marca a mudança do perfil partidário oposicionista: (1) deslocamento do PDT para a oposição e (2) introdução de nova argumentação contra o PT enquanto partido. O PDT passou nesse momento por um embate que vai ser importante para seu futuro: como Alceu Collares, que está à direita dentro do partido, surgiu como candidato em oposição frontal ao PT e à Frente Popular, um significativo grupo de trabalhistas históricos e de trabalhistas de esquerda saiu do PDT e filiou-se ao PT.

No decorrer da eleição, a oposição apropria-se da tese de que o PT seria um partido totalitário e que deveria ser combatido radicalmente por ser um mal intrínseco à democracia. O orçamento participativo seria apenas um braço totalitário de mobilização das massas.

O resultado eleitoral não beneficiou a oposição. O PT cresceu eleitoralmente e ganhou as eleições executivas em cidades pólo do Rio Grande do Sul (Caxias do Sul, Pelotas, Santa Maria, Gravataí), quase ganhou a Prefeitura de Canoas (importante cidade da Região Metropolitana) e manteve Porto Alegre. A partir de então, o PDT passa a ser forte oposição na Assembléia gaúcha, chegando, em 2001, a alcançar sua melhor performance nas atividades da CPI sobre a Segurança Pública, quando foi tratado o já referido tráfico de influência.

Na seqüência da eleição de 2000, o PT também sofre uma defecção importante, a do vereador Fortunati, ex-vice-prefeito, ex-liderança sindical, que, não sendo indicado para concorrer a nenhum cargo executivo, sai do PT, indo finalmente filiar-se no PDT. Como detentor de forte votação, principalmente na capital, o PDT aposta que Fortunati será capaz de reerguer o partido e finalmente desalojar o PT da Prefeitura.

Aliás, os anos de 2000 e de 2001 marcaram a história política gaúcha no sentido de que ocorreram fortes mudanças partidárias: do PDT para o PT, importantes alas histórica e de esquerda se transferiram; do PT para PDT, uma liderança moderada; e finalmente do PMDB para o PPS, todo o grupo de Britto.

A oposição ao governo do estado ancorou-se principalmente na atuação dos deputados estaduais. A corrida passou a ser quem atacava mais o Governo e seu partido. Destacaram-se os quadros do PMDB (depois PPS), seguidos pelo PPB e pelo PDT. Pelo menos três sentidos foram dados a esta oposição: 1) polarização; 2) radicalização da polarização via relação amigo/inimigo e 3) revanche.

A polarização levou a que os partidos buscassem não a negociação mas o confronto, a radical demarcação de espaço político. Ressalte-se que essa também era a tática empregada pelo PT quando era minoria parlamentar em governos anteriores. A relação amigo/inimigo criou uma dicotomia insuperável: qualquer um, partido ou indivíduo, ou está a favor do governo ou está contra, e o governo é um perigo para a estabilidade política dado que sua atuação corrói a sua legitimidade. Por fim, a questão da revanche apresenta dois aspectos. Em primeiro lugar, a disputa que se estendeu desde a eleição de 1998 sobre o legado de Britto apresentou, de um lado, o bloco petista sempre apontando os erros e problemas herdados do governo passado e, de outro, a oposição, principalmente o PMDB/PPS, reclamando a excelência do mandato anterior e o desmonte ou apropriação feita pela administração da Frente Popular. Em segundo lugar, a partir da definição do PDT como integrante da oposição, a atuação desse partido se pautou pela retribuição ao papel desempenhado pelo PT tanto na CPI contra o Governo Collares quanto em relação ao próprio desempenho deste.

A posição do deputado estadual Busatto (PMDB-PPS) pode resumir a questão: "Logo após nossa derrota nas eleições para o governo do estado em 1998, nos entregamos a uma verdadeira cruzada, polarizando a política gaúcha como há muito tempo não se via. Esta atitude foi necessária não só para tencionar (sic) nosso adversário a atuar nos marcos da democracia - um alerta, portanto, - como para defender os avanços que nosso projeto de governo trouxe ao Rio Grande do Sul, ameaçados não apenas pela retórica, como pelas ações do partido que passou a ocupar o Palácio Piratini"(texto Fiscalização Cidadã, no site www.al.rs.gov.br).

Também o deputado Bernd (PMDB-PPS) pode ilustrar a questão quando acusou o Governo Olívio Dutra de "montar uma polícia política aos moldes da KGB soviética e que age ilegalmente contra a Assembléia, ao invés de revelar à opinião pública do Rio Grande quem matou o menino Bruno, quem soltou Papagaio da prisão de segurança máxima". O mesmo deputado pode definir o argumento majoritário da oposição acerca do orçamento participativo: "olívio dutra demonstrou, afinal, que a função principal do participativo é negacear, enganar a vontade dos gaúchos frente à incompetência petista e à falta de projeto para desenvolver o Rio Grande. O orçamento é manipulativo" (textos no site www.al.rs.gov.br).

Contudo, a oposição não é monolítica. Grandes diferenças ideológicas e desconfianças mútuas permanecem em seu interior. O PDT não tem projeto privatista, ao contrário dos partidos restantes (inclua-se o PPS, dado que a recente inclusão do grupo brittista tornou-o distante de qualquer perspectiva socialista ou popular), e apresenta sérias objeções à Britto (por este ter privatizado as empresas estatais criadas por Brizola). O PPB representa um projeto conservador, que tem dificuldades para tornar-se vanguarda no processo político. O PMDB intensificou sua divergência com Britto. A transferência deste para o PPS foi o ato culminante de um conflito que vem desde seu tempo de governo quando, buscando construir ampla coalizão, preteriu o partido na distribuição de cargos e recursos.

Não pode ser descartada a possibilidade de que Britto, e seus seguidores dentro do PPS, acabem por modificar o discurso eleitoral, procurando valorizar mais as questões sociais e de participação política, contrabalançando o imperativo da modernidade econômica. A dúvida é se o eleitorado vai admitir a nova inflexão.

O atual quadro político no Rio Grande do Sul confirma o multipartidarismo, a inflexão pela esquerda na campanha eleitoral e a polarização própria de forças políticas intensamente diferenciadas em termos ideológicos. A próxima eleição será importante porque permitirá verificar qual o efeito do desempenho político de um partido de esquerda no governo em um estado com importante presença econômica e política no cenário nacional. E também permitirá considerar até que ponto a estratégia de polarização política é eficaz como meio de combater o oponente. A confirmação do PT como partido governante no RS abrirá as portas para uma nova etapa na democracia brasileira. Resta indagar se para institucionalizá-la com firmeza ou iniciar um ciclo de instabilidade.

*Professor do Departamento de Sociologia e Política da Universidade Federal de Santa Maria

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